Em 1985, Michael Porter, emérito professor da Harvard Business School, publicou o que ainda é considerado uma referência em estratégias de negócio: Competitive Advantage – Creating and Sustaining Superior Performance (3). O livro aborda as principais estratégias para gerar vantagens competitivas, fornecendo ferramentas para que as empresas possam se auto-avaliar, definir suas estratégias e construir um posicionamento em relação às “5 forças do mercado” – concorrência, novos entrantes, produtos substitutos, fornecedores e clientes. Esse posicionamento é a base para desenvolver um plano de ação e garantir a sobrevivência futura da empresa.
Apesar de ainda ser referência, a evolução tecnológica das últimas décadas alterou significativamente o contexto de quando esse livro foi escrito. Por exemplo, já é possível criar-se uma empresa sem ativos, como Uber e AirBnB, ou substituir a cadeia de valor convencional por um ecossistema de parceiros como a Amazon, que vende produtos próprios e até de concorrentes.
Portanto, a Revolução Digital, que vem ocorrendo com mais ênfase desde os anos 2000, causou uma mudança significativa na formulação das estratégias empresariais. Novas categorias, frameworks e perguntas necessitam ser feitas e respondidas para que as empresas possam garantir uma jornada de Transformação Digital bem sucedida. Os principais (mas não únicos) elementos que precisam ser analisados e formulados são uma Visão Digital, Macro-Estratégias e um Modelo de Negócios Digital.
- Visão – onde a empresa estará nos próximos 5-10 anos? Qual será seu negócio? Quem serão seus clientes? Quão transformacionais estamos sendo em nossas ambições?
- Macro-estratégias – dado DNA e a capacitação da empresa, onde ela deverá focar: nos clientes, na excelência operacional ou na criação de uma plataforma digital?
- Modelo de Negócio Digital – em consequência da Visão e Macro-Estratégias adotadas, como a empresa deverá se posicionar em relação à sua cadeia de valor? Qual será o nível de informação sobre os clientes que ela necessitará?
Visão
Mais do que uma palavra fácil nos vocabulários de administração, estabelecer uma Visão é crucial para o sucesso de uma transformação digital. Entendo por Visão como a descrição da empresa em seus próximos anos de existência, uma “foto” de qual será o objeto de seu negócio, quem serão seus clientes, como estará interagindo com eles, assim como seu papel na cadeia de valor. A Visão deve ser estabelecida pela alta gerência da empresa, sendo sua responsabilidade divulgar, engajar os colaboradores, fazê-la acontecer, “pivotar” eventualmente sua direção e constantemente auferir seu sucesso. Como modelos de Visão bem sucedidos podem ser citados os seguintes (5) :
Burberry’s: “Ser a primeira companhia totalmente digital, end-to-end, possibilitando o acesso dos clientes aos nossos produtos a partir de qualquer dispositivo, de qualquer lugar“ (Angela Ahrendts, CEO).
L’Oréal: “ O mundo digital multiplica as maneiras pelas quais nossas marcas podem criar uma relação ricamente emocional com nossos consumidores” (Marc Menesguen, Diretor-Gerente de Marketing Estratégico);
P&G: “A digitalização na P&G nos possibilitará gerenciar nosso negócio em tempo real e numa base sob demanda. Seremos capazes de colaborar de forma mais eficiente e eficaz, dentro e fora da empresa“ (7)
Banco Santander: “Nosso objetivo para os próximos anos é explorar as oportunidades de crescimento nos segmentos onde o banco possui pouca penetração, tais como seguros e cartões de crédito. Estamos realizando investimentos significativos em sistemas e pessoal para podermos obter vantagens com essas oportunidades” (6)
Macro-Estratégias
Quando Michael Porter escreveu seu livro sobre Vantagens Competitivas (3), as tecnologias digitais não estavam desenvolvidas o suficiente para oferecer estratégias alternativas. Ainda havia barreiras físicas para entregar produtos digitais, assim como o conceito de competição se restringia ao “1×1” em cada mercado. “Novos entrantes” eram consideradas empresas novas fazendo o mesmo negócio, porém não empresas de outros setores estendendo seus serviços para outros mercados. Não era possível oferecer uma estratégia de excelência nos serviços e ser “low cost” simultaneamente; tampouco seria possível ter uma estratégia de foco no cliente e ao mesmo tempo ter um escopo geográfico global. Esses conceitos tiveram que ser revistos devido às mudanças trazidas pelas tecnologias digitais, criando novos tipos de estratégias: Foco no Cliente, Foco na Excelência Operacional e Novo Modelo de Negócio (Plataforma) (5).
Com os avanços tecnológicos trazidos pelos celulares, APIs e Data Analytics, empresas que lidam diretamente com os clientes finais tais como varejo, hotelaria e viagens, são capazes de traçar um mapa completo e detalhado da jornada de seus clientes. A partir desse mapeamento, elas identificam quais as tecnologias que mais trazem resultados (vendas, fidelização, fixação da marca) por prazo (curto, médio, longo) e por impacto em seus processos.
A macro-estratégia de Foco no Cliente consiste na utilização planejada, detalhada e gradativa de tecnologias e processos que visam dar aos clientes mais velocidade, mais escolhas, mais facilidade, mais voz e mais satisfação. A Burberry’s, por exemplo, desenvolveu de forma exemplar sua estratégia de foco no cliente, como veremos nos capítulos seguintes.
A estratégia de Excelência Operacional, por sua vez, aplica-se às empresas cujo objetivo é tornar a cadeia de valor mais barata, rápida e integrada, utilizando tecnologias digitais para reduzir custos, tornar as operações mais fáceis e as manutenções de seus ativos mais previsíveis. Em geral são empresas de setores ligados à indústria ou à infraestrutura, que não vendem seus produtos ou serviços diretamente para os clientes. A Codelco, empresa de mineração do governo chileno, desenvolveu uma estratégia de Excelência Operacional que virou case mundial com sua Visão “Codelco Digital”.
E estratégia de Plataforma Digital é a mais ambiciosa e certamente a mais lucrativa. Trata de transformar a empresa no centro de um ecossistema de parceiros. Um dos melhores representantes dessa estratégia é a Amazon, que congrega uma infinidade de produtos de distintos fornecedores, sendo capaz até de influenciar nos preços desses, dada sua posição de market place. A Amazon transformou-se na destinação final de todos os consumidores para compra de livros, há anos atrás, e está caminhando para tornar-se a destinação final para compra de… qualquer coisa. Da mesma forma, a Aetna se transformou na destinação final para todos que desejam adquirir produtos relacionados à saúde, e o Google para pesquisas.
Modelos de Negócio Digitais
Intimamente ligados às Macro-Estratégias, os Modelos Negócio Digitais constituem a forma pela qual as empresas irão se posicionar no mercado, assim como se estruturar para operacionalizar suas atividades. Considerando que o conhecimento sobre o cliente e a preponderância na cadeia de valor são fatores críticos de sucesso para um Modelo de Negócios Digitais, identificam-se 4 modelos alternativos:
Fornecedores – com baixo conhecimento acerca de seus clientes e papel secundário na cadeia de valor, os fornecedores geralmente estão sujeitos à pressão de preços e baixas margens. Podem ser facilmente substituídos por outros concorrentes, uma vez que seus produtos/serviços não possuem os atributos que os diferenciam de seus competidores. Podem ser empresas de B2B, isto é, que vendem seus produtos através de outras empresas, tais como fabricantes de eletrodomésticos, eletro-eletrônicos ou seguros.
Produtores Modulares – apesar de não terem domínio sobre as informações de clientes nem sobre um ecossistema digital de empresas, são capazes de criar produtos tipo plug-and-play, com alta capacidade de integração a outros produtos, constante evolução de funcionalidades e alcance geográfico significativo. Dessa forma, tornam-se parceiros globais e essenciais na cadeia de valor. Um dos melhores exemplos é a empresa de meios de pagamento, como Paypal.
Omnichannel – o modelo de negócios Omnichannel pressupõe o domínio das informações e do relacionamento com o cliente, a excelência na criação de experiências para o consumidor, independente do canal escolhido (online, offline). Empresas que adotam esse modelo de negócio necessitam constituir arquiteturas integradas e abertas para tecnologias que gerenciem a interação com os clientes, acompanhando-os em toda sua jornada. A definição de um dos 4 Modelos de Negócio Digitais com uma das 3 principais macro-estratégias de Transformação Digital constitui o primeiro exercício estratégico que a alta direção da empresa deve realizar para preparação de sua jornada. Somente a partir desse tipo de discussão – que demandará uma série de workshops e entrevistas – a empresa terá gerado uma Visão e uma direção estratégica, essenciais para evitar tempo, recursos financeiros e esforços mal aplicados.
Esses conceitos serão abordados em mais detalhe nos próximos artigos.
Referências
(1): Five Myths about Digital Transformation, Stephen J. Andriole, MIT Sloan Management Review, Spring 2017;
(2): Digital Vortex: How Today’s Market Leaders Can Beat Disruptive Competitors at Their Own Game Jeff Loucks, James Macaulay, Andy Noronha and Michael Wade;
(3): Competitive Advantage – Creating and Sustaining Superior Performance, by Michael E. Porter, Collier McMillan, 1985
(4): What’s your Digital Business Model? Six questions to help you build the next-generation enterprise, by Peter D. Weill e Stephanie L. Woerner
(5): Westerman, George. Leading Digital: Turning Technology into Business Transformation (Kindle Locations 1595-1597). Harvard Business Review Press. Kindle Edition.
(6): Banco Santader, Annual Report, 2012.
(7): Proctor and Gamble, Annual Report, 2012.