Alguém já ouviu falar daquela empresa que montou um “lab”, anunciou ao mercado suas “conquistas”, enquanto sua equipe de TI não sabe o que é “DevOps”, não foi treinada nas metodologias “lean” e ainda atua da mesma forma? Ou daquela empresa que investiu tanto em inovação que cada uma de suas unidades de negócio tem um time de inovação, fazendo exatamente as mesmas coisas?
Cada etapa da Transformação Digital tem suas armadilhas próprias, que podem atrasar, congelar ou até sepultar a jornada. E o primeiro passo para evitá-las é conhecê-las:
1. Estratégia – A moda agora é o Digital.
Inúmeras empresas começam suas jornadas sem ao menos uma visão futura de seu negócio. Encantam-se pelos avanços tecnológicos e compram o que vêem pela frente, seja pela pressão da concorrência, seja pelo excessivo entusiasmo do marketing. São os “fashionistas”, segundo George Westerman, do MIT (1). Isso pode resultar em duas situações extremas: ou não realizam uma verdadeira transformação, gerando apenas melhorias graduais e cosméticas, ou tomam um rumo completamente equivocado.
2. Liderança – No colo do CIO.
O CIO de uma empresa multinacional estava no elevador com seu presidente. Antes que ele conseguisse aproveitar o momento e fazer seu “discurso de 30s”, o CEO se adianta: “nossa matriz definiu que seremos “digitais” em até 5 anos. Cuide disso!”. O assunto não faz parte da agenda dos executivos. A Transformação se torna um projeto meramente tecnológico, de digitalização de processos. As áreas de negócio resistem às mudanças e os colaboradores têm medo de ser substituídos por máquinas.
3. Cultura – Tenho medo de errar.
Como já enfatizado em artigo anterior (3), a questão cultural é chave para o sucesso da Transformação Digital. Empresas que funcionam à base de silos funcionais, que são avessas a risco ou altamente hierarquizadas, terão pouca chance de sucesso. Mesmo aquelas que optam por isolar seu time de Transformação, terão o desafio de transmitir a cultura para toda a empresa depois.
4. Gestão – Sucesso só na mídia.
Quantas empresas alardeiam suas iniciativas transformacionais e inovadoras, quando na realidade não estão estruturadas nem geraram produtos e serviços realmente sustentáveis? Quantas estão efetivamente usando de critérios, metodologias, métricas, governança e decisões baseadas em dados para se transformar. Onde estão os fracassos, as idéias mal concebidas? Errar faz parte. E aprender com os erros, de forma transparente é crucial. Como dizem no Vale do Silício, “erre rápido”.
5. Risco – Isso não nos afetará tão cedo.
Esse era exatamente o discurso da indústria fonográfica quando da chegada do Napster; da indústria automobilística na chegada da Tesla e das grandes livrarias na chegada da Amazon. É notória a lentidão de setores ligados a concessões do governo, como o de utilities, onde as ditas “inovações” ainda orbitam em torno dos projetos chamados de “P&D” – formalidade exigida pela ANEEL para atribuição de um percentual do faturamento da empresa em projetos de pesquisa e desenvolvimento. Executados em geral pelo setor acadêmico, esses projetos duram anos, com metodologias arcaicas e uma cultura meramente de pesquisa. Claro que há exceções, mas essas geralmente estão ligadas às pesquisas aplicadas, contratadas pelo setor privado. No entanto, há uma verdadeira revolução tecnológica em andamento nesses setores. E quando a legislação finalmente se adaptar a esse novo cenário, muitas concessionárias não serão capazes de sobreviver.
6. B2Bs – Somos uma empresa que não lida com consumidores
De uma forma ou de outra, todas as empresas de B2B (aquelas cujo produto ou serviço visa outras empresas) se tornarão B2C (aquelas cujo produto ou serviço visa o consumidor final, individual). Primeiro, pelas oportunidades de aproximação direta com os consumidores oferecidas pelas novas tecnologias. Quantas empresas de bens de consumo já estão comercializando seus produtos diretamente via e-commerce próprio? Em segundo lugar, essas tecnologias estão viabilizando a obtenção de informações e previsões num nível de detalhe e assertividade tal, que é capaz de individualizar produtos/serviços até mesmo para clientes corporativos.
Essas armadilhas são comuns, infelizmente. Tudo é “Transformação Digital” agora, tudo é “Inovação”, tudo é “Indústria 4.0” e “Minha empresa as-a-service”. Fala-se sobre a “Internet dos Tomates” e sobre “Precision Pigs”. Mas quanto disso está dando certo na realidade?
A Transformação Digital deve ser vista como “o uso da tecnologia para aumentar radicalmente a performance ou o escopo de atuação das empresas” (1); como uma jornada planejada e direcionada, baseando-se nas principais tendências tecnológicas, na análise da concorrência, dos clientes e dos ativos estratégicos da empresa.
Referências
(1) Westerman, George. Leading Digital: Turning Technology into Business Transformation. Harvard Business Review Press. Kindle Edition.
(2) Loucks, Jeff. Digital Vortex: How Today’s Market Leaders Can Beat Disruptive Competitors at Their Own Game. DBT Center Press. Kindle Edition.
(3) “A Transformação Digital é uma Transformação Humana”, August 31, 2018, LinkedIn article by Sergio Hartenberg
(4) Viki, Tendayi. The Corporate Startup: How established companies can develop successful innovation ecosystems. Vakmedianet. Kindle Edition.