No afã de dar uma rápida resposta aos clientes, concorrentes, colaboradores, acionistas e à própria matriz, os CEOs buscam soluções rápidas para ingressar na Transformação Digital, sem saber ao certo do que se trata, suas características essenciais, estratégias e erros a serem evitados. Muitas vezes entram numa sequência de experimentos sem coordenação, sem objetivo claro e focado apenas no curto prazo. Entretanto, não basta ao CEO delegar essa missão ao CIO, CDO ou CMO, nem lançar mão do ecossistema de inovação (startups, aceleradoras e instituições de financiamento), sem antes articular uma estratégia, uma visão para a empresa nos próximos 5-7 anos.
A Transformação Digital é uma jornada de longo prazo. Seu sucesso depende basicamente dela ser meticulosamente planejada, diligentemente executada e genuinamente liderada pelo CEO e seus executivos.
Abaixo alguns mitos e verdades sobre a Transformação Digital :
Mito #1: Todas as empresas têm que se transformar
Esse discurso é incentivado principalmente por fornecedores, os quais necessitam escoar novos produtos para fazer frente à concorrência e garantir suas receitas com novos lançamentos. A partir de um diagnóstico genérico, que mistura empresas mais próximas do Vortex Digital (2) tais como as empresas de software, do setor financeiro ou varejo, extrapolam a urgência de mudança para setores, áreas ou processos que não precisam de mudança – naquele instante ou daquela forma.
Por exemplo, para uma empresa transformar seus processos, é necessário que ela possa mapear, analisar e simular, até chegar no nível desejado de melhoria. Isso requer o uso de ferramentas de modelagem, assim como de recursos internos capazes de conduzir esse projeto e identificar se é o caso de mudança. Nem todas as empresas estão preparadas para esse tipo de análise. E mesmo estando, é necessário garantir que haja um business case que justifique.
A Transformação é consequência não apenas da evolução tecnológica, mas das demandas do cliente e do que a empresa se vê nos próximos anos. Além disso, o investimento em Transformação deve ser analisado quanto ao seu escopo (organização como um todo, departamento ou processo), seu custo/benefício (curto, médio, longo prazo) e o grau de impacto para seus clientes, internos ou externos.
A Transformação Digital, em essência, é um “choque planejado” sobre a empresa, não apenas um upgrade de software.
Mito #2: A Transformação Digital envolve sempre tecnologias disruptivas
Na realidade, as transformações de maior impacto são geradas por mudanças nos modelos de negócio, suportadas ou não por tecnologias disruptivas.
Uma operadora telefônica estava determinada a realizar uma transformação digital para recuperar sua posição no mercado. Foi contratada uma consultoria que, ao analisar o “mapa de calor” dos clientes, descobriu que as áreas onde estes habitavam não possuíam cobertura suficiente. Ao mesmo tempo, o centro da cidade estava repleto de antenas – mas não era a área de seus clientes. Bastou remanejar as antenas as regiões residenciais desses clientes que o faturamento começou a subir. Tecnologia disruptiva? Não, apenas clientes melhor atendidos com alternativas existentes.
Vale lembrar que mesmo o Uber e o AirBnB basearam seus modelos de negócio, estes sim disruptivos, sobre aplicativos, telefones celulares, dados geo-referenciados e uma excelente experiência do usuário. A ruptura deu-se pelo modelo de negócio inovador, sem ativos, e não devido às tecnologias embarcadas.
Mito #3: Empresas lucrativas estão mais aptas para entrar na Transformação Digital
Se os negócios vão bem, a resistência à mudança é ainda maior. A mudança é cara, leva tempo, é incerta e dolorosa. Além disso, torna seus líderes alvos fáceis para a política interna, especialmente quando as mudanças são mais lentas do que se esperava ou falham. Em segundo lugar, a maioria dos seres humanos são resistentes à mudança, principalmente quando ela ocorre na organização onde criaram suas áreas de conforto.
Onde a resistência é menor para a Transformação Digital? Justamente nas empresas que estão perdendo clientes e dinheiro, além de startups com dinheiro para gastar. No caso dos startups, não apenas a aversão ao risco é pequena, como há o incentivo financeiro dos investidores, que estão preparados para esse tipo de empreitada. No caso de empresas estabelecidas, o desafio é justamente alterar a cultura, o modelo, os ativos, as capacidades e os processos já em prática, para algo desconhecido.
Mito #4: Precisamos criar um modelo disruptivo em nossa indústria, senão outros o farão.
Dificilmente uma transformação disruptiva será liderada por empresas líderes em seus mercados, cujos modelos de negócio se mostraram rentáveis e constituem referência em seus segmentos – até o momento em que os lucros começam a cair e os acionistas a reclamar.
Apesar das grandes empresas terem suas iniciativas inovadoras, historicamente são os startups que fazem as grandes apostas e assumem os riscos, de olho nas indústrias estabelecidas.
Mito #5: Executivos anseiam pela Transformação Digital
O número real de executivos que realmente têm interesse na Transformação Digital é muito pequeno. O conceito é facilmente vendido para os altos escalões, porém a transformação necessita de apoio aberto, contínuo e com alto compromisso dos executivos. É aí que o processo tende a falhar.
Primeiro, porque a mudança pode colocar em risco suas áreas de influência e reduzindo suas esferas de poder. Segundo, porque os executivos podem sentir-se intimidados pela complexidade e pelo (longo) prazo que essa jornada requer. Por último, como dito anteriormente, executivos não desejam alterar modelos de negócio já estabelecidos, cujo funcionamento e as receitas são conhecidas.
Em suma, apesar do discurso executivo ser de apoio à Transformação Digital, o conflito entre a agenda corporativa e as agendas individuais pode ser mais complexo do que se espera.